quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Qual é o compromisso da Psicologia?


Ultimamente, tem se buscado cada vez mais ressaltar o compromisso social da Psicologia, associando-o ao oferecimento de serviços as camadas menos favorecidas da população, fugindo de concepções psicologizantes e buscando perspectivas mais sociais.
A psicologia sempre esteve vinculada a sociedade Brasileira e suas demandas e nos faz questionar que compromisso é esse?

A Tradição da Psicologia no Brasil está ligada ao atendimento dos interesses da elite.
De acordo com os estudos realizados, as idéias psicológicas aqui produzidas atendiam ao interesse das elites de controlar, higienizar, diferenciar e categorizar. Isto se inicia na colonização do Brasil por Portugal, produzidas por representantes da Igreja. (Os estudos falam sobre características dos indígenas, mulheres e crianças e as formas de controlá-los e foram considerados como sendo do campo da Psicologia por tratarem de comportamentos e aspectos morais.)
No sec XIX, o Brasil deixa de ser colônia e as idéias psicológicas passam a ser produzidas pela medicina: ( a vinda da corte ao Brasil, gerou um grande desenvolvimento ao país e a cidade do Rio de Janeiro, produzindo um movimento higienista material e moral – marcado pelo surgimentos de escolas que se tornaram referencia no Brasil) buscava-se uma sociedade livre da desordem e dos desvios. Surgem os asilos e hospícios com o intuito de tratamento moral e as idéias da Psicologia buscavam contribuir com esse trabalho da medicina. A Educação estava marcada por práticas autoritárias e disciplinares buscava a higienização moral, e as idéias produzidas buscavam o controle dos impulsos infantis. As idéias da medicina falavam sobre o decaimento das raças e da imoralidade na sociedade, que era resolvido ou pela educação ou pela reclusão dos imorais. (a Moral era da natureza do Homem, que era perdida quando este se decaia- mas as qualidades desse homem possuidor de uma moral correspondiam aos europeus, assim apenas a elite possuía essa característica, que se distanciava do trabalhador brasileiro e dos escravos. Desta forma associava-se a imoralidade á pobreza e a negritude.)
No final do séc. XIX inicia-se a Republica e no séc. XX a riqueza cafeeira e o desenvolvimento da região sudeste. A Psicologia adquire estatuto de ciência na Europa seguida dos EUA. A Escola Nova passa a valorizar a infância e surgem as idéias desenvolvimentistas na Psicologia.
Neste período também surgem as idéias voltadas para a administração e trabalho, a Psicologia contribui com conhecimento e técnica que facilita a diferenciação das pessoas, formando grupos mais homogêneos nas escolas e nas empresas.
As guerras trouxeram o desenvolvimento de testes psicológicos, que viabiliza a prática diferenciadora e categorizadora da Psicologia. Foi com esse a[parelho ideológico que a Psicologia se tornou uma profissão reconhecida em 1962.
Uma profissão que tem servido apenas as elites, e tem pouco poder de negociação com o Estado para mostrar sua capacidade de contribuição com o social.
“A pesquisa realizada pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (1995), junto a categoria dos psicólogos, mostrou que, dos inscritos no CRP,  75,2% atuavam na profissão; 17,7% desistiram de exercer e 7,1% não chegaram a exercer a profissão. Dos que atuavam na profissão 54,7% estavam na área clinica/saúde; 17,86%, na educação; 13,05%, em trabalho; 5,48%, em social; 8,59% em outras áreas (incluindo psicologia jurídica, esporte, trânsito) e 0,35% não respondeu. Trabalhavam em consultório particular 41,15%, atuavam em hospitais 12,31%, em unidades básicas de saúde 3%, em ambulatórios de saúde mental 4%. Em instituições particulares trabalhavam 63,04% e no público 23,48%. ” (BOCK, 2003, p.19)
Temos muitos psicólogos na saúde, poucos trabalhando em instituições. Muitos em consultórios particulares que não está ao alcance da população mais carente e desta forma é uma inserção pequena na sociedade. A Psicologia também é uma profissão onde há pouca diversificação e isso reflete numa limitada contribuição a sociedade, onde se apresenta como uma ciência e uma profissão conservadoras, que não constroem nem debatem uma transformação social devido as idéias naturalizantes de homem.
Nos anos 70 a tentativa de aproximar a psicologia da sociedade se deu com a criação da Psicologia Comunitária, que nos anos 80 contribuiu para se tornar uma profissão feminina.

Alguns elementos ideológicos da profissão
Destacaremos três elementos:
1.       A Psicologia tem naturalizado o fenômeno Psicológico – No estudo de 1999, Bock estudou a concepção de fenômeno psicológico para os psicólogos brasileiros e notou que este fenômeno é visto como algo abstrato, que tem destino traçado e nasce com a pessoa. Este fenômeno é identificado como “verdadeiro eu”, que está em todos nós e se desenvolverá conforme o homem for aproveitando as situações de estimulação que o mundo social oferece.
Essa concepção de fenômeno psicológico traz uma Psicologia de costas para a vida social pois não é necessário compreender a cultura, a vida social, os valores sociais e os meios de produção para a compreensão do psiquismo. A pratica profissional acaba voltada para um suporte ao desenvolvimento natural, reencaminhando para o “trilho”,quando se percebe um desvio, e as teorias psicológicas ficam associadas as patologias, doenças, conflitos, desajustes e desequilíbrios, tornando difícil desenvolver uma profissão que consiga promover qualidade de vida e saúde.
O fenômeno psicológico não pode ser concebido como algo natural e universal. Nossa concepção sobre subjetividade deve unir o mundo objetivo com o subjetivo, para compreendê-los como produções históricas a partir da ação transformadora do homem sobre o mundo.
 “A humanidade deve ser vista  como algo que está no mundo objetivo, na medida em que o homem, ao transformar o mundo material para suprir suas necessidades, ultrapassou os limites da sua natureza animal e humanizou-se e se pôs no mundo, transformando-o e humanizando-o. Os objetos culturais, criados pelos homens, contem características humanizadas deste homem. Nascemos candidatos a humanidade”. (BOCK, 2003 p.22-23)
E assim o mundo psicológico deve ser concebido como construção deste mundo objetivo.
As concepções naturalizantes nos afastam da realidade social e ofuscam a construção social do psiquismo. Propor transformações psíquicas exigem um projeto social.
2.       Os Psicólogos não tem concebido suas intervenções como trabalho -  Se as principais características do psiquismo são vistas como naturais e o homem percorre seu caminho corretamente, então não há nada que possamos fazer pois trajeto será percorrido tranquilamente. No entanto esse mundo social acaba sendo visto como um mundo perverso, ruim e difícil que nos obriga a estar atentos ao desenvolvimento do psiquismo para que possamos corrigir, curar ou consertar o que se desviou. Nossa missão é consertar o que a natureza criou e a sociedade desviou. Mas se por essa mesma via, o sujeito é natural, o nosso trabalho é apenas uma colaboração para que o sujeito possa se autoconhecer e se auto conduzir. Os psicólogos não acreditam que direcionam o desenvolvimento do seu cliente, pois a direção desse desenvolvimento é dada pela natureza e o trabalho da psicologia acaba por ser desvelar o desconhecido, verdades sobre o sujeito de forma neutra.
O trabalho de intervenção direcionado e intencional não existe para a maioria dos psicólogos, todos os recursos de trabalho são vistos como neutros.  O psicólogo trabalha para transformar uma determinada direção, pois só assim ele sabe quando dar alta, ou quando que alguém precisa do seu trabalho. Ele tem um padrão do que é desejável ou esperado, mas a Psicologia nega esse direcionamento. (consideraremos um bom exercício, nós pensarmos sobre os critérios que permitem a nós psicólogos julgarmos a saúde psíquica de alguém- e veremos que eles estão ligados a sociedade)
3.       A Psicologia tem concebido os sujeitos como responsáveis e capazes de promover seu próprio desenvolvimento – Se estamos falando de um sujeito que possui características naturais, estamos falando de um sujeito que possui uma força que se movimenta e se desenvolve, produz sua própria individuação. A sociedade não tem papel algum, ela ajuda ou atrapalha, mas nunca é vista como construção humana. A Psicologia, então cria uma ideologia que responsabiliza o homem por seus próprios erros. Essa concepção é muito presente na educação quando atribui a dificuldade de aprendizagem ao sujeito e no trabalho o clinico do psicólogo que vê sua intervenção como uma contribuição para o sujeito se curar.

Os psicólogos tem se isentado de discutir projetos sociais, porque o homem e seu psicológico, da forma como são compreendidos não exigem essa discussão. São poucos os psicólogos que se manifestam em relação as questões sociais. Essas idéias precisam ser superadas (exemplos: crianças não aprendem na escola porque não se esforçam ou porque tem pais que bebem e mães ausentes, ou ainda mães pobres? Jovens dão tiros em crianças porque possuem natureza violenta)
É preciso trabalhar criticamente e inverter essas explicações, é preciso compreender as relações sociais e as formas de produção da vida como fatores responsáveis pela produção do mundo psicológico. Considerarmos a cultura e a sociedade como constituintes dessa subjetividade. E não olharmos esse psiquismo como natural, universal e isolado dentro do indivíduo. Essa visão aproximará a psicologia da sociedade.

Por fim: 
"A psicologia que queremos é a que tem compromisso social, mas um compromisso voltado para a transformação da sociedade. Queremos uma sociedade justa e igualitária  na qual todos tenham acesso á riqueza da produção humana, material e espiritual; onde todos vivam com dignidade sua humanidade naquilo que ela tenha de mais desenvolvido.”  (GONÇALVES, 2003)

Para saber mais:
BOCK, Ana Merces Bahia (orgs). Psicologia e Compromisso Social. São Paulo: Cortez, 2003. 

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