Ultimamente, tem se buscado cada vez mais
ressaltar o compromisso social da Psicologia, associando-o ao oferecimento de
serviços as camadas menos favorecidas da população, fugindo de concepções
psicologizantes e buscando perspectivas mais sociais.
A psicologia sempre esteve vinculada a
sociedade Brasileira e suas demandas e nos faz questionar que compromisso é
esse?
A
Tradição da Psicologia no Brasil está ligada ao atendimento dos interesses da
elite.
De acordo com os estudos realizados, as
idéias psicológicas aqui produzidas atendiam ao interesse das elites de
controlar, higienizar, diferenciar e categorizar. Isto se inicia na colonização
do Brasil por Portugal, produzidas por representantes da Igreja. (Os estudos
falam sobre características dos indígenas, mulheres e crianças e as formas de controlá-los
e foram considerados como sendo do campo da Psicologia por tratarem de
comportamentos e aspectos morais.)
No sec XIX, o Brasil deixa de ser colônia e
as idéias psicológicas passam a ser produzidas pela medicina: ( a vinda da
corte ao Brasil, gerou um grande desenvolvimento ao país e a cidade do Rio de
Janeiro, produzindo um movimento higienista material e moral – marcado pelo
surgimentos de escolas que se tornaram referencia no Brasil) buscava-se uma
sociedade livre da desordem e dos desvios. Surgem os asilos e hospícios com o
intuito de tratamento moral e as idéias da Psicologia buscavam contribuir com
esse trabalho da medicina. A Educação estava marcada por práticas autoritárias
e disciplinares buscava a higienização moral, e as idéias produzidas buscavam o
controle dos impulsos infantis. As idéias da medicina falavam sobre o
decaimento das raças e da imoralidade na sociedade, que era resolvido ou pela
educação ou pela reclusão dos imorais. (a Moral era da natureza do Homem, que
era perdida quando este se decaia- mas as qualidades desse homem possuidor de
uma moral correspondiam aos europeus, assim apenas a elite possuía essa
característica, que se distanciava do trabalhador brasileiro e dos escravos.
Desta forma associava-se a imoralidade á pobreza e a negritude.)
No final do séc. XIX inicia-se a Republica
e no séc. XX a riqueza cafeeira e o desenvolvimento da região sudeste. A
Psicologia adquire estatuto de ciência na Europa seguida dos EUA. A Escola Nova
passa a valorizar a infância e surgem as idéias desenvolvimentistas na
Psicologia.
Neste período também surgem as idéias
voltadas para a administração e trabalho, a Psicologia contribui com
conhecimento e técnica que facilita a diferenciação das pessoas, formando
grupos mais homogêneos nas escolas e nas empresas.
As guerras trouxeram o desenvolvimento de
testes psicológicos, que viabiliza a prática diferenciadora e categorizadora da
Psicologia. Foi com esse a[parelho ideológico que a Psicologia se tornou uma profissão
reconhecida em 1962.
Uma profissão que tem servido apenas as
elites, e tem pouco poder de negociação com o Estado para mostrar sua
capacidade de contribuição com o social.
“A pesquisa realizada pelo Conselho
Regional de Psicologia de São Paulo (1995), junto a categoria dos psicólogos,
mostrou que, dos inscritos no CRP, 75,2% atuavam na profissão; 17,7% desistiram de exercer e 7,1% não chegaram a exercer a profissão. Dos que atuavam na profissão 54,7% estavam na área clinica/saúde; 17,86%, na educação; 13,05%, em trabalho; 5,48%, em social; 8,59% em outras áreas (incluindo psicologia jurídica, esporte, trânsito) e 0,35% não respondeu. Trabalhavam em consultório particular 41,15%, atuavam em hospitais 12,31%, em unidades básicas de saúde 3%, em ambulatórios de saúde mental 4%. Em instituições particulares trabalhavam 63,04% e no público 23,48%. ” (BOCK, 2003, p.19)
Temos muitos psicólogos na saúde, poucos
trabalhando em instituições. Muitos em consultórios particulares que não está
ao alcance da população mais carente e desta forma é uma inserção pequena na
sociedade. A Psicologia também é uma profissão onde há pouca diversificação e isso
reflete numa limitada contribuição a sociedade, onde se
apresenta como uma ciência e uma profissão conservadoras, que não constroem nem
debatem uma transformação social devido as idéias naturalizantes de homem.
Nos anos 70 a tentativa de aproximar a
psicologia da sociedade se deu com a criação da Psicologia Comunitária, que nos
anos 80 contribuiu para se tornar uma profissão feminina.
Alguns
elementos ideológicos da profissão
Destacaremos três elementos:
1.
A Psicologia tem naturalizado o
fenômeno Psicológico – No estudo de 1999, Bock estudou a concepção de fenômeno
psicológico para os psicólogos brasileiros e notou que este fenômeno é visto
como algo abstrato, que tem destino traçado e nasce com a pessoa. Este fenômeno
é identificado como “verdadeiro eu”, que está em todos nós e se desenvolverá
conforme o homem for aproveitando as situações de estimulação que o mundo
social oferece.
Essa concepção de fenômeno
psicológico traz uma Psicologia de costas para a vida social pois não é
necessário compreender a cultura, a vida social, os valores sociais e os meios
de produção para a compreensão do psiquismo. A pratica profissional acaba voltada
para um suporte ao desenvolvimento natural, reencaminhando para o
“trilho”,quando se percebe um desvio, e as teorias psicológicas ficam
associadas as patologias, doenças, conflitos, desajustes e desequilíbrios,
tornando difícil desenvolver uma profissão que consiga promover qualidade de
vida e saúde.
O fenômeno psicológico não
pode ser concebido como algo natural e universal. Nossa concepção sobre
subjetividade deve unir o mundo objetivo com o subjetivo, para compreendê-los
como produções históricas a partir da ação transformadora do homem sobre o
mundo.
“A humanidade deve ser vista como algo que está no mundo objetivo, na medida em que o homem, ao transformar o mundo material para suprir suas necessidades, ultrapassou os limites da sua natureza animal e humanizou-se e se pôs no mundo, transformando-o e humanizando-o. Os objetos culturais, criados pelos homens, contem características humanizadas deste homem. Nascemos candidatos a humanidade”. (BOCK, 2003 p.22-23)
E assim o mundo psicológico deve ser concebido como construção deste mundo objetivo.
“A humanidade deve ser vista como algo que está no mundo objetivo, na medida em que o homem, ao transformar o mundo material para suprir suas necessidades, ultrapassou os limites da sua natureza animal e humanizou-se e se pôs no mundo, transformando-o e humanizando-o. Os objetos culturais, criados pelos homens, contem características humanizadas deste homem. Nascemos candidatos a humanidade”. (BOCK, 2003 p.22-23)
E assim o mundo psicológico deve ser concebido como construção deste mundo objetivo.
As concepções
naturalizantes nos afastam da realidade social e ofuscam a construção social do
psiquismo. Propor transformações psíquicas exigem um projeto social.
2.
Os Psicólogos não tem concebido
suas intervenções como trabalho - Se as
principais características do psiquismo são vistas como naturais e o homem
percorre seu caminho corretamente, então não há nada que possamos fazer pois
trajeto será percorrido tranquilamente. No entanto esse mundo social acaba
sendo visto como um mundo perverso, ruim e difícil que nos obriga a estar
atentos ao desenvolvimento do psiquismo para que possamos corrigir, curar ou
consertar o que se desviou. Nossa missão é consertar o que a natureza criou e a
sociedade desviou. Mas se por essa mesma via, o sujeito é natural, o nosso
trabalho é apenas uma colaboração para que o sujeito possa se autoconhecer e se
auto conduzir. Os psicólogos não acreditam que direcionam o desenvolvimento do
seu cliente, pois a direção desse desenvolvimento é dada pela natureza e o
trabalho da psicologia acaba por ser desvelar o desconhecido, verdades sobre o
sujeito de forma neutra.
O trabalho de intervenção
direcionado e intencional não existe para a maioria dos psicólogos, todos os
recursos de trabalho são vistos como neutros. O psicólogo trabalha para
transformar uma determinada direção, pois só assim ele sabe quando dar alta, ou
quando que alguém precisa do seu trabalho. Ele tem um padrão do que é desejável
ou esperado, mas a Psicologia nega esse direcionamento. (consideraremos um bom
exercício, nós pensarmos sobre os critérios que permitem a nós psicólogos
julgarmos a saúde psíquica de alguém- e veremos que eles estão ligados a
sociedade)
3.
A Psicologia tem concebido os
sujeitos como responsáveis e capazes de promover seu próprio desenvolvimento –
Se estamos falando de um sujeito que possui características naturais, estamos
falando de um sujeito que possui uma força que se movimenta e se desenvolve,
produz sua própria individuação. A sociedade não tem papel algum, ela ajuda ou
atrapalha, mas nunca é vista como construção humana. A Psicologia, então cria
uma ideologia que responsabiliza o homem por seus próprios erros. Essa
concepção é muito presente na educação quando atribui a dificuldade de
aprendizagem ao sujeito e no trabalho o clinico do psicólogo que vê sua
intervenção como uma contribuição para o sujeito se curar.
Os psicólogos tem se
isentado de discutir projetos sociais, porque o homem e seu psicológico, da
forma como são compreendidos não exigem essa discussão. São poucos os
psicólogos que se manifestam em relação as questões sociais. Essas idéias
precisam ser superadas (exemplos: crianças não aprendem na escola porque não se
esforçam ou porque tem pais que bebem e mães ausentes, ou ainda mães pobres?
Jovens dão tiros em crianças porque possuem natureza violenta)
É preciso trabalhar
criticamente e inverter essas explicações, é preciso compreender as relações
sociais e as formas de produção da vida como fatores responsáveis pela produção
do mundo psicológico. Considerarmos a cultura e a sociedade como constituintes
dessa subjetividade. E não olharmos esse psiquismo como natural, universal e
isolado dentro do indivíduo. Essa visão aproximará a psicologia da sociedade.
Por fim:
"A psicologia que queremos é a que tem
compromisso social, mas um compromisso voltado para a transformação da
sociedade. Queremos uma sociedade justa e igualitária na qual todos tenham
acesso á riqueza da produção humana, material e espiritual; onde todos vivam
com dignidade sua humanidade naquilo que ela tenha de mais desenvolvido.” (GONÇALVES, 2003)
Para saber mais:
BOCK, Ana Merces Bahia (orgs). Psicologia e
Compromisso Social. São Paulo: Cortez, 2003.
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