sexta-feira, 19 de junho de 2015

O valor de ser professor.

Em 2006 tive minha primeira turma numa disciplina na Pós-Graduação, era psicóloga escolar em um colégio, não tinha experiência como professora, apesar de ter Licenciatura em Psicologia. Já estava habituada a fazer algumas palestras, especialmente para as turmas de Administração de Empresas para falar sobre como se portar em entrevistas de emprego, tema que adquiri certa experiência como consultora em uma empresa de recrutamento e seleção. Dar aulas não é o mesmo que dar palestra. A palestra você tem um tema que será falado para 10 grupos diferentes. Já as aulas costumam ser 10 temas para o mesmo grupo durante um semestre ou 2 meses.

Preparei o conteúdo com auxílio de um colega mais experiente, preparei os power points, me enchi de coragem e fui. Não agradei, a turma tinha uma expectativa diferente sobre a disciplina, não queriam teoria, não queriam saber exatamente da pratica, não da forma como o curso havia sido estruturado. Foi um começo difícil e ainda assim encarei a mesma turma em outra disciplina.
Quando me mudei para São Paulo, depois de diversas negativas para trabalhar como psicóloga escolar, resolvi tentar a docência como carreira. E nunca me senti tão realizada como tenho sido desde 2008. No primeiro semestre contabilizei 700 alunos, no segundo semestre 900, depois disso parei de contar, era assustador pensar que num final de semana eu corrigia essa quantidade de provas. Sem fazer contas exatas, desde 2008 mais de 5000 pessoas foram meus alunos, as vezes isso é um pensamento perturbador. É bastante trabalho. Perceber que o aluno está aprendendo, o fato em si, já é fantástico. Sentir que tocou a vida daqueles alunos de uma maneira humana é espetacular. Claro que no meio do caminho tem o aluno indiferente, o indiferente é o mais difícil. Nunca sabemos o que ele está pensando, se está realmente acompanhando a aula. Se o aluno discordar do que eu falo acho positivo, confio plenamente nos meus argumentos e no que ensino. Existem aqueles alunos que gostam de reclamar, reclamam da aula, do professor, e esses reclamam também da nota, porque geralmente não estudam, mas já tive aluno que teve a ousadia de reclamar da bibliografia da disciplina e questionar isto com a coordenação do curso. Tudo isto fica pequeno com o reconhecimento dos outros.

Vou esclarecer que os Professores precisam de bons salários independentemente do nível de ensino que lecionam, afinal investimos em nossa formação, dedicamos horas de preparo de aula, de exercício e de provas, além das correções, que ao meu ver estão além das horas adicionais remuneradas, e temos contas para pagar como qualquer mortal, estou deixando isto claro, porque não gosto do discurso de optar pela docência “por amor”. O reconhecimento e a gratidão dos alunos é uma das partes que compõem a realização do professor e é sobre isso que quero falar agora.

São vários sinais que recebo que fazem com que eu pense que sou uma boa professora: os alunos ficarem felizes quando me reencontram em um novo semestre. Terminarem o semestre querendo saber quando será a próxima disciplina que estaremos juntos. A aula ter alguns momentos de descontração, afinal o conteúdo é importante, mas é preciso levar reflexão sobre temas atuais e tornar a teoria o mais próximo da pratica possível. Ver que ex-alunos, agora colegas que estão seguindo na profissão, fazendo pós-graduação e especialmente quando recebo essas notícias pelos próprios.  E-mails, whatsapp, Instagram, facebook, mensagem de texto que carregam poucas palavras e boas doses de carinho:
Professora, estou estudando e lembrei de você, que saudade da suas aulas. ”
Professora, passei num concurso e estou aguardando ser chamada, obrigada pela torcida
Professora, entrei no Mestrado na PUC, obrigada pelo incentivo, será que a gente se encontra pra tomar um café?
Professora, estou fazendo um curso perto da PUC, quinzenal, vamos nos encontrar para tomar um café?
Estou assistindo ´Escritores da liberdade` não tem como não lembrar de você. Hehe

Isso é um pouco do carinho que recebo, devo ter outros e-mails com notícias de famílias que cresceram, encontros nos Congressos de Psicologia, de sucesso ou dificuldade na profissão e alguns convites atendidos para ser homenageada em formaturas. Sem falar dos que viraram amigos pessoais com direito a almoço anual no rodízio Japa, ou cafés por aí.

Na verdade, fiquei assim surpresa porque recebi no mês passado (mas só li nesta semana) um e-mail muito grato de uma aluna, que apesar se sentar sempre na frente em minhas aulas, geralmente mostrava uma atitude questionadora em relação ao conteúdo, com a autorização dela reproduzo a mensagem aqui:
Boa noite Raquel,
 Fui sua aluna na Uninove, sei que muitos alunos passaram em sua vida, por isso achei melhor enviar uma foto em anexo para que se recorde, afinal, sempre é bom sabermos quem nos dirige a palavra, não é? O motivo do meu contato é para agradecê-la por apontar algo tão relevante socialmente, ainda que caminhe contra a opinião pública, consegue manter pontualmente a crítica sobre a questão da diminuição da maioridade penal. Por muito tempo fui a favor, cheguei publicar algo no facebook (não achei a publicação, gostaria de apagar). Hoje percebo a importância de a vida ser movimento, dos debates (e não embates) sobre os temas cruciais da sociedade, onde todos nós estamos inseridos.
 A psicologia tem o papel fundamental na articulação com o Estado nas Políticas Públicas, mantendo-se ativa nos posicionamentos reflexivos que reverberam nas tomadas de consciência com a práxis da estrutura e conjuntura social. O amadurecimento permite reconhecer o erro, a cegueira funcional, o estado de ignorância que eu me encontrava. Após algumas pesquisas, consegui sair do estado de entorpecimento, e lancei o olhar para a complexidade contextual, antagonizando a visão linear que me prendia apenas ao desejo de punição do adolescente infrator. Continuo sentindo o repúdio das ações de barbárie, mas, entendo de maneira mais clara que não adianta trabalhar com punição como medida imediata, e sim com medidas socioeducativas sobre a responsabilização do ato praticado do menor, afinal, quando não se alcança a causa, não haverá solução efetiva. Busquei conhecer mais o sistema penitenciário, os efeitos socioeconômicos e psicológicos, agora posso dizer que eu tinha uma visão descolada do todo, o que gerava visão distorcida, isto é, uma pequena verdade retirada do "todo", torna-se uma mentira. Mentira esta, que repetida diversas vezes, avolumada com o ódio e indignação humana, propagada rapidamente nas redes sociais, incorre ao erro de termos uma mentira travestida de "verdade".
Mais uma vez gostaria de agradecê-la, por ter plantado uma sementinha dentro de mim, agora ela germinou, e na medida do possível multiplicarei o pensamento contrário à diminuição da maioridade penal, desta vez, com mais veemência, pois estamos todos atravessados na onda crescente e avassaladora da violência que tem devastado muitas vidas seja da "vítima - menor infrator" ou "vítima - cidadão).
OBRIGADA!!! Adriana Ramos
Respondi a ela  agradecendo e pedindo autorização para publicar e ainda recebi outra resposta: “Claro que autorizo a publicação, pode ser da maneira que achar melhor, entendo perfeitamente a luta e os entraves decorrentes do pensamento que vai contra a maioria. Mas, acredito que assim como eu mudei de ideia, outras pessoas possam mudar.
Agradeço também suas palavras que chegaram no momento em que mais precisava! Continue sua luta nos debates de ideias, pois elas são louváveis, ideias estas, que ainda que densas, consegue transmitir de maneira sutil, com a sua marca registrada, que é este sorrisão espontâneo!

Eu é que sou grata a você, Adriana, por me mostrar que plantamos sementes que florescem e frutificam, enquanto a sociedade pensa que nós professores não valemos nada, e somos repreendidos ou ignorados por reivindicar melhores salários.
Minha gratidão eterna ao carinho dos meus alunos e ex-alunos, que aquecem meu coração com mensagens, e-mails e boa disposição para o novo, para o diferente, para o bem-estar da humanidade, são vocês quem mantêm meu bom humor, minha fé e minha disposição.


Desejo que possam sentir tão realizados profissionalmente quanto eu.

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