segunda-feira, 25 de maio de 2015

Cronicas da Surdez - o que todo otorrino, fono, psicólogo e professor deve saber.

Imagine estar de frente para o mar, as ondas num indo e vindo infinito (como disse Lulu Santos), sentir o cheiro da maresia, aquela brisa fresca no rosto....e não ouvir nada.

Eu sei o que é isso.
A Paula Pfeifer também, junto á nós 9,8 milhões de brasileiros de acordo com o IBGE (5,2% da população). E sabe que você também pode se juntar á nós, varias pesquisas apontam que acidentes, doenças como infecção constante no ouvido ou os maus hábitos como ouvir som alto nos fones de ouvido e exposição a ruídos muito altos no dia-a-dia podem ocasionar perda auditiva. Hoje cerca de 20% da população sofre de Zumbido que é sinal de perda auditiva. É preciso estar atento aos sinais de perda e procurar um Otorrinolaringologista que encaminhará para o exame de audiometria e diagnosticará corretamente, assim como fará a recomendação de uso da Aparelhos da Amplificação Sonora Individual (AASI) para perdas leves á severas ou Implante Coclear (IC) em caso de surdez profunda.
Estou aqui para falar dos livros que recomendo fortemente para quem convive com surdos oralizados e que fazem uso de AASI ou IC.
A Paula conhece bem esse caminho percorrido pelas pessoas que nascem ouvintes e aos poucos vão perdendo a audição. Conheci a Paula quando ela tinha o blog Sweetest Person Blog onde ela fala sobre moda, dicas de beleza e viagens, suas paixões. Um dia ela falou que era deficiente auditiva e aos poucos  vários seguidores passaram a contar sobre suas histórias com a deficiência, seja própria ou alheia: os preconceitos de ser uma deficiência invisível, da dificuldade de se falar sobre o assunto com outras pessoas e onde estão esses deficientes oralizados? Há uma forte crença de que todos os surdos são mudos e que são sinalizados,  está em seu grupo de pessoas surdas e que se comunica pela Linguagem Brasileira de Sinais (LIBRAS), mas o surdo oralizado está entre os ouvintes e ao mesmo tempo não está. Foi á partir dos e-mails que ela recebeu que criou o blog Cronicas da Surdez para falar sobre as experiências dela como Deficiente Auditiva (DA). E o Blog foi tão bem divulgado, lido e aceito que virou livro. Lembro de me identificar com várias coisas que ela disse, todos meus anos como paciente em psicoterapia e todos os anos como psicologa não me disseram tanto sobre mim ou sobre a DA como a Paula e seus seguidores disseram.
Tanto no primeiro como o segundo livro, ela escreve com clareza, coerência e uma intimidade com o assunto, que senti como uma amiga contando sobre sua vida, talvez por isso a facilidade que todos tem para conversar com ela, seja por e-mail, facebook ou pessoalmente. 

No primeiro livro ela relata com clareza a dificuldade em que vivem os DAs (invisíveis). É uma leitura fundamental para médicos que darão diagnósticos do teste da orelhinha, ou que confirma que um paciente está com perda auditiva. Logo que dá um diagnóstico de deficiência auditiva o primeiro argumento do médico é (geralmente): "Olha, a tecnologia hoje é incrível, existem aparelhos muito pequenos que corrigem as pessoas jamais saberão que você está usando aparelhos." E isso é HORRÍVEL, chega a ser um crime, pois a pessoa passará a vida tentando se esconder atrás desse aparelho e desta mentira. Os AASIs realmente são de uma tecnologia impressionante, os aparelhos dados pelo SUS são de qualidade inferior aos que são comercializados e eles amplificam o som, tornando o som mais acessível ao DA, mas não tem o mesmo desempenho do ouvido humano. A vida não vai ser mais fácil com a pessoa se escondendo, ela vai ser bem mais difícil, porque o DA faz um esforço enorme para acompanhar as conversas, pois PRECISA fazer leitura labial e muitas vezes cansa de pedir para que o outro repita, grupos grandes são difíceis, lugares com muito ruido são difíceis, e se junta isso em um ambiente escuro coloca a conversa como algo quase impossível e os ouvintes continuam te tratando como um ouvinte qualquer, simplesmente porque não sabem. Então é melhor saber, certo? Otorrinolaringologistas, leiam estes livros, conversem com seus pacientes sobre seus temores e anseios, não incentivem que se escondam, tenham sempre um psicólogo que esteja habituado aos dilemas dos DAs e indique. Da mesma forma que o fonoaudiólogo é fundamental no processo de reabilitação auditiva, o Psicólogo é fundamental para auxiliar o paciente no processo de negação da DA e no resgate da auto-estima.
Outro ponto a considerar é que a invisibilidade da DA também se apresenta na lei, o DA não tem dierito a desconto na compra de veículos e nem dedução no Imposto de Renda para compra de prótese auditiva, como disse, os AASI comprados possuem uma alta performance na programação dos sons e tecnologia, mas a tecnologia custa caro. Os DAs não precisam ser escondidos da sociedade.
Hoje falamos tanto de Inclusão Escolar que esta leitura é fundamental para todos os professores, para saber conversar com seu aluno sem rodeios e adotar atitudes que melhoram o desempenho e a segurança dos alunos com DA em sala de aula. Sala de aula é uma situação tensa em qualquer idade. Quando o professor fala atrás do aluno ou andando pela sala de aula, submeter crianças ao "ditado" é quase um teste de audição, a criança que não ouve não consegue acompanhar o ditado do professor. Os ruídos da sala ou do pátio. As aulas ou palestras que são dadas em lugares escuros para uso do data-show é uma verdadeira Maratona. A Paula mesmo diz que ter terminado a faculdade foi uma verdadeiro teste de paciência. Quando tiver um aluno com suspeita de deficiência auditiva encaminhe para o Otorrino e peça que seja realizada uma audiometria. 

Os fonoaudiólogos devem ter esses livros como fundamentais para compreensão dos medos e anseios de seus pacientes. Paula conta muito sobre participação em congressos e encontros de fonoaudiologia e da importãncia do fonoaudiólogo no processo de reabilitação auditiva, mas os psicólogos não parecem dar muita importância para isto, muitos acham que sabem o suficiente. Vou contar porquê não sabem. 
Recomendo fortemente que esta leitura seja realizada por Psicólogos. Primeiramente porque fala da vida humana, fala da diversidade, fala do quanto o social é importante para a vida das pessoas, o quanto muitas vezes as pessoas estão rodeadas de pessoas a sua volta, mas sem a comunicação estão sozinhas. O quanto o silêncio pode ser confortável quando é uma opção e não uma imposição. 
No segundo livro, Paula conta sobre o sucesso e repercussão do seu primeiro trabalho e a sua experiência ao retorno dos sons com o Implante Coclear quando sua surdez, já num grau profundo a privava de estar no mundo, sair de sua zona de conforto e ser aquela pessoa que não ficava mais tensa com as situações sociais. Uma das partes do livro e que tem um post no Blog (o post está aqui), conta sobre sua participação em um Congresso em Campos do Jordão, onde, após os trabalhos um grupo de pessoas foram para um restaurante, a combinação: muitas pessoas + lugar escuro + lugar com muito barulho a fez desistir de participar da conversa e dormir. O cansaço e a tensão em acompanhar leitura labial para não perder as conversas ao longo do dia já haviam deixado- a exausta. Hoje ela diz que essa pessoa cansada, tensa e que estava ficando introvertida ficou no passado. Algumas coisas que a maioria faz com "naturalidade" como atender telefone, ouvir interfones e campainhas, o barulho do mar, do vento e da chuva faz parte da realidade dela novamente, ela não quis desistir do som. Na nova etapa da vida, agora com IC, também coube um amor. Acho que o próprio fato de se descobrir nas falas dos seus leitores fez com que a Paula nunca se deixasse abater pelo desânimo ou o stress que ela vivia com a deficiência e conseguir dar voz ás pessoas invisíveis. Como disse uma professora uma vez: nem todos precisam de terapia, algumas relações são terapêuticas por si só, mas isso não quer dizer que a psicoterapia perde sua função. O que funcionou para a Paula talvez não funcione para outros. Vejo alguns relatos de forte negação, dificuldade de aceitar ou de considerar o uso do AASI, de conseguir mostrar suas deficiência como se isto a fizesse menos digna. Nestes casos o profissional melhor capacitado para esta tarefa é o Psicólogo, portanto, leiam, se informem sobre as fragilidades humanas.


Por fim, conhecer a Paula pessoalmente foi uma grande realização. Acompanho o Blog dela desde 2009, trocamos alguns e-mails (talvez ela nem se lembre, devem ter muitos e-mails diários para responder),  um dos meus e-mails foi publicado no espaço dos leitores do blog (está aqui) e outras vezes que ela esteve em São Paulo eu estive ocupada com minhas funções maternas. Fiz algumas amizades, tentei ajudar algumas pessoas. Desta vez fiz questão de ir ao lançamento do segundo livro, levei meus filhos que se divertiram muito no Espaço Escuta da Politec e oportunizei que eles pudessem estar com crianças surdas que usam IC. Não tivemos muito tempo para conversar e sei que não nos faltará oportunidades. Sou muito fã do trabalho dela na divulgação dessas informações e desejo que ela esteja atingindo muitos profissionais com seus relatos. Seus textos me inspiram, inclusive, profissionalmente. Através do Blog conheci a psicologa Carla Rigamonte, que tem um capítulo no livro, no Programa Espaço Escuta, e pudemos conversar sobre a Psicologia e a resistência que, infelizmente, encontramos em nosso trabalho.


Espero com isso poder abrir outros caminhos dentro de uma sociedade mais receptiva para a diversidade.

Raquel A. Cassoli.
Psicologa - CRP06/61822
Professora Universitaria no UNIPAULISTANA.
Professora na Pos Graduação no UNIFAI.
Mestre em Psicologia da Educação pela PUC-SP
Doutoranda em Psicologia da Educação pela PUC-SP

P.S.:Outro livro e outro blog que também recomendo sobre o assunto é "Desculpe, Não ouvi" Da Lak Lobato.(clique aqui)- vale outro post.
Vale lembrar que cada caso é um caso, os surdos profundos que por algum motivo prefira a LIBRAS ou o mundo do silencio, ou porque não é candidato a rehabilitação auditiva deve etr seu direito respeitado. A LIBRAS pode ser um recurso a mais na vida dos DAs, o uso de Aparelhos ou Implantes não excluem o uso da LIBRAS.
Quando estava escrevendo este texto vi uma reportagem no Jornal Nacional que mostra um pouco sobre o uso do Implante Coclear e a dificuldade dos DAs. Voce pode assistir clicando aqui.
A Stakey, empresa de aparelhos auditivos criou um simulador para a perda auditiva, onde os ouvintes podem simular o som ouvido por um DA e parar de achar que as pessoas ouvem o que querem. Clique aqui para fazer uma simulação.

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